terça-feira, 27 de abril de 2010

Celular

As oito da manhã eu já estava entre a páginas de livros pesquisando sobre a história do ensino das artes visuais para um projeto, converso com supervisor que me consegue um lugar para a exibição dos vídeos. Digito, discuto, anoto. Doze horas pego o pagamento de um trabalho, combino de mandar texto necessário para inscrição num curso, universidade, banco depositar o cheque do pagamento, tiro extrato, fumo um cigarro. Descubro que só tenho até dia 30 para entregar o projeto da bienal. Pego o ônibus. Errado. Vou parar num lugar estranho com o celular que suspeito desde as oito da manhã estar bloqueado pelo ex-marido. Respiro fundo, estabeleço metas para sair da roubada e duas horas de elocubrações depois chego em casa. Experimento ligar e desligar o celular. Ele volta a funcionar.
Choro. Choro. Choro. Choro. Choro. Choro.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ciranda

Sexta-feira. Logo depois de arrumar minhas coisas no quarto que agora é a parte que me cabe no latifundio da minha mãe, resolvi sair. Não agüentava mais chorar, não agüentava mais infelicidade, não agüentava mais piedade. Decidida, fui para um show no centro da cidade com uma amiga querida e quase-amigo tatuado e gay.
Medo de tanta gente junta sem um homem para proteger-me de mim.
Começo devagarzinho a dançar até me dar conta que estava numa grande ciranda e que girava com desconhecidos sorridentes. Levantei braços, bati pés e mãos, dancei de olhos fechados. Ninguém para me segurar os braços e a vontade.
Deu medo, mas foi bom.

domingo, 25 de abril de 2010

Três delicadezas

Amiga liga e oferece trabalho. Produzir um projeto de exibição de vídeos experimentais dentro de outro projeto maior. Alívio pelo convite, que além de me fazer esquecer o chicletinho mental que tenho mastigado essa última semana, garantirá uma graninha extra para evitar o desespero que os poucos reais na minha conta bancária tem causado.
Depois de um jantar deliciosamente típico, ganho o livro “A arte de escrever cartas” da amiga empregadora, uma coletânea que trata da minha grande paixão dos últimos meses e tem tudo a ver com o trabalho artístico que tenho produzido em decorrência dela.
Antes de dormir, o que farei em breve, recebo e-mail de uma pessoa que sei lá se por ignorância minha, falta de tempo ou preguiça nunca chegou a ser realmente um amigo. Nele a poesia abaixo:

A GAIOLA

Maria do Carmo Barreto Campello de Melo

E era a gaiola e era a vida era a gaiola
e era o muro a cerca e o preconceito
e era o filho a família e a aliança
e era a grade a filha e era o conceito
e era o relógio o horário o apontamento
e a tabuleta dizendo é proibido.
E era a vida era o mundo e era a gaiola
e era a casa o nome a vestimenta
e era o imposto o aluguel a ferramenta
e era o orgulho e o coração fechado
e o sentimento trancado a cadeado.
E era o amor e o desamor e o medo de magoar
e eram os laços e o sinal de não passar
e era a vida era a vida o mundo e a gaiola
e era a vida e a vida era a gaiola.

A soma dessas três delicadezas com certeza me fará dormir sem precisar de ansiolítico. Hoje.

Morte

Comparar acabar um casamento a uma faxina de fim-de-ano (como fiz no post anterior) é querer simplificar a dor que sinto. Na verdade, essa comparação talvez tenha servido para que eu entenda um pouco do que aconteceu sem perder o poder de rir de mim mesma.
Mas acho que a comparação que melhor se encaixa nesse caso é o da morte de alguém que amamos. No meu caso específico esse ente querido, meu casamento de quinze anos, estava muito, muito doente e há muito, muito tempo. Já me disseram que algumas pessoas antes de morrer aparentam melhorar do mal que padecem. Isso confunde e faz com que a dor aumente quando esse alguém parte. Assim aconteceu comigo. Acreditei que os risos do último dia eram um sinal de que afinal de contas, nem tudo estava perdido. Me enganei.
Na verdade, se a comparação fosse se estender, digamos que eu desliguei os aparelhos do meu casamento moribundo. Fui embora. E aí vem a culpa, porque depois de tanto trabalho para cuidar dessa relação em fim de vida, você sente alívio por agora só ter que se preocupar consigo mesma.
Mas apesar disso, tem choros convulsivos, tem confusão, tem medo. Tem vazio.
Vazio.

sábado, 24 de abril de 2010

Faxina de final-de-ano

Separar, depois de anos de casamento, é como encarar uma faxina de final-de-ano. Mas AQUELA faxina. Recomendada por sua mãe e toda a geração de mulheres da sua família antes dela, pelo astrólogo da TV, pelo livro de feng-shui (a faxina, não a separação).
Você acredita, fazer o que? Separa objetos, roupas e zilhões de outras coisas para jogar fora, se enfia em gavetas e papéis, lota sacos azuis de lixo, bate tapetes, esfrega chão, limpa as correntes e brincos de prata com pasta de dente, descongela o frezzer, e começa a notar que o tal tapete batido há pouco precisa ser trocado, as cortinas precisam ir para lavanderia e porra, o Peru da ceia está no forno. Porque claro que você levou a sério o termo “final-de-ano” e resolveu fazer a faxina no dia 31. Procrastinações acontecem quando precisamos fazer grandes faxinas assim como separar depois de anos de casamento.
No final da tarde, a sensação de exaustão e dor física te impedem de curtir devidamente a festa que te deu tanto trabalho para preparar, o porão está cheio de objetos que você não precisa, mas resolveu guardar, você cheia de dúvidas acerca dos objetos que jogou fora e se sentindo culpada por não ter dado conta de tudo. Tudo isso somado a uma sensação de alívio e uma lista de novas ambições devidamente anotadas como "metas a cumprir".
Só que no outro dia uma pilha enorme de louça suja te espera na pia.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...