terça-feira, 27 de setembro de 2011

28/09

Dia 28 de setembro é o Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Soube através das maravilhosas blogueiras feministas há alguns dias atrás. Desde então venho pensado sobre o assunto constantemente. Em como escrever sobre algo que me é tão marcante e cercado de dores. 
Primeiramente, não tenho como antes escapar do clichê (no sentido de algo extremamente repetido por ser verdade) que temos o direito de sermos donas de nossos corpos. Ponto. Fato. 
Para só então começar minha história. 
Eu, classe média, bem-educada, consciente da necessidade do uso da camisinha nem sempre fui responsável em minhas relações sexuais. Atire a primeira pedra quem nunca... E sim, eu já abortei.
Na primeira vez eu tinha vinte anos. Durante muito tempo sofri por me sentir a mais miserável das mulheres, e me lembrava sempre que era uma assassina monstruosa. Mas também não esqueço que ao sair de uma clínica de fundos de quintal e chegar em casa acompanhada pela minha mãe e pela recomendação da "parteira" que caso eu me sentisse mal não deveria procurar um hospital, tive uma convulsão por ter perdido muito sangue. Minha prima, que na época, fazia medicina, estava com o namorado e não quis ir me dar assistência, porque o rapaz poderia pensar mal dela. E de mim. 
Bom, diferente do tal namorado que ninguém mais sabe por onde anda, eu continuei fazendo parte da sua vida. E sobrevivi. Mas depois disso nossa relação nunca mais foi como antes. Até que foi passando a mágoa, as lembranças foram esmaecendo...
Ah, quem dera... o subconsciente é um danado.
Anos depois, um surto psicótico trouxe tudo de volta. O fato de ter abortado era associado à minha melhor amiga, minha companheira nas dificuldades familiares, a pessoa que havia crescido comigo ter, no meu desvario, quase me deixado morrer "para que não pensassem mal dela. Nem de mim.". Eu não devia valer nada mesmo. Passei semanas fora da realidade, semanas em que revivi constantemente aquele pesadelo.
Muita terapia e mais alguns anos, consegui entender que ninguém poderia ser responsável, além de mim mesma, pelo que tinha acontecido. Eu tinha abortado. Eu tinha decidido. Culpar minha prima pela sua reação era culpar a igreja, a sociedade, a família, que me diziam e dizem a todas as mulheres, até hoje, que decidir e ter direito sobre seu próprio corpo é feio e errado.
Apoio a legalização do aborto, não só porque o fiz, mas porque antes de feminista, sou mulher e acredito sim que minha dor e a de muitas outras teria sido minimizada se vivessemos num País e num mundo onde o direito de escolha não é maldição e sim benção. Onde houvesse apoio para que tomada a decisão de não dar continuidade à uma gravidez, o aborto fosse realizado com segurança. Onde não fosse preciso enlouquecer de culpa pelo fato de saber que não se terá como (ou não se quer) criar um filho. Onde não fosse preciso que mulheres morressem todos os dias porque é mais fácil fingir que abortos não acontecem.  
Mas a história não para aí...
Há alguns meses engravidei novamente. Decidimos, eu o pai, termos essa criança. Os dois posts abaixo foram escritos aqui neste blog, em Novembro, e falam um pouco do que aconteceu...

"Eu estava grávida. Até hoje. Perdi meu filho e minha confiança no serviço público de saúde e na empatia que acreditava natural entre os seres humanos. Comecei a sentir dor, um dia depois de passado o medo, finalmente ter rendido-me a alegria e espalhar a notícia para todos. Rindo. Hoje fui para o hospital com J. A amiga-esposa não achou normal o sangramento. Nem a dor. (...) Esperas. E esperas. Mais. Até que uma mulher que não sabia meu nome, nem nenhum outro, nem minha história nem nenhuma outra, disse-me que não havia mais nada. Nem nome, nem história, nem espera. Friamente. Cruelmente. E resultado nenhum vale mais que seu diploma. Amém, amém... Deuses todos eles. A atendente que queria saber minha profissão, o médico que viu a dilatação, o enfermeiro que mediu minha pressão. Deuses de pedra. E eu carne e sangue. E nada."

"Terça-feira passada a dor me fez voltar ao hospital. Outra ultrassom, outros médicos impessoais. Fui internada. No quarto coletivo, mulheres e seus sofrimentos. Havia uma menina de dezesseis anos, uma mulher de quarenta e um. Outras. Mais. Todas perderam ou estavam perdendo seus filhos como eu. Sentiam dor como eu. Como eu ficaram vinte horas sem comer até aparecer um anestesista que nos dopasse para arrancancarem os últimos resquícios de uma maternidade que não aconteceu. O nome disso é curetagem. Quando acordei estava numa enfermaria com outras mulheres e seus recém-nascidos filhos. Quis ir embora, é claro, assinei um termo de responsabilidade e passei os últimos cinco dias em casa, quase sem me mexer. Dor. Dor. Dor. Ainda. Acho que para sempre."

Fui tratada no hospital como alguém que tinha propositadamente abortado. Muito mal. Nos fizeram esperar horas, foram irônicos, secos.
E se fosse? E se é? Porque não tenho o direito de ser tratada com dignidade e respeito por ser uma adulta que fez uma escolha? 
Ah... esqueci, eu sou mulher e se não cumpro com minha obrigação maior que é parir, não valho nada mesmo... minha prima devia ter razão...

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